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  • Cyntia Nogueira Franca

A DANÇA DO VENTRE E O RESGATE DA ESSÊNCIA FEMININA


A DANÇA DO VENTRE E O RESGATE DA ESSÊNCIA FEMININA


Pesquisa realizada por Cinthya Nogueira França, do Módulo Fundamentos do Curso de Formação e Capacitação em Dança do Ventre oferecido por FIDES Centro de Cultura Lazer e Saúde sob coordenação de Priscila Genaro.




MANAUS - AMAZONAS

Dezembro de 2022

INTRODUÇÃO


Este texto transcorre por caminhos, fazendo uma pequena analise das diferentes fases, que a corporeidade feminina vivenciou, onde foi reverenciada, subjugada e vista como guerreira. Hoje, a mulher moderna vem desempenhando outros papéis na sociedade, destacando-se em várias as atividades que se propõe a realizar, investindo em seu lado intelectual e profissional, agregando reconhecimento e respeito da sociedade. Porém, esta nova fase, traz à tona alguns equívocos, para esta corporeidade, podendo causar um distanciamento de sua natureza enquanto ser feminino. Em meio a este processo, a Dança do Ventre pode atuar como meio curador de questões peculiares a essência feminina, retomando o ventre em sua essência criadora; assume caráter artístico, profissional, terapêutico, educacional e social através de experiências em diferentes contextos.

Trata-se de uma pesquisa bibliográfica, sendo conduzida por autores que abordam aspectos sociais, históricos, corporais e educacionais. Compartilho com as ideias de Luciaurea Kaha, com base em quatro de suas obras relacionadas ao ensino e prática da dança do ventre: História da Dança do Ventre: o ventre e o corpo no espaço, Dança do Ventre e saúde: a cura do templo feminino, Resgatando o feminino: mistérios e segredos do feminino em perguntas e respostas e Dança do Ventre e Arquétipo: dançando no ventre da Grande Mãe. Assim como, corroboro com alguns entendimentos de Mary Del Priore em sua obra: “Corpo a corpo com a mulher: pequena história das transformações do corpo feminino no Brasil” quando a autora expõe a transformação do corpo feminino, diante das mudanças ocorridas no percurso da história do Brasil.

A escolha do tema, permeia dentre as transformações que o corpo feminino vivenciou advindo de mudanças refletindo na sua identidade, “tendo por fio condutor a ideia de que a história das mulheres passa pela história de seus corpos” caracterizando-se no decorrer dos tempos de acordo com o que se vive na sociedade (DEL PRIORE 2000, c.p.).

Um forte símbolo ligado à feminilidade, a dança do ventre abrange aspectos pessoais, sociais e históricos, favorecendo um (re)encontro com sua verdadeira essência feminina. Portanto, a ideia desta produção, que trata a experimentação da Dança do Ventre em processo dançante, que se instala diretamente no corpo da mulher, é propiciar caminhos ao dançarino na busca da liberdade em sua dança.

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JUSTIFICATIVA


Apesar de não possuir origem confirmada, a Dança do Ventre, hoje está sendo dançada em vários países, alguns com suas características e culturas diferentes, porém, acordamos que, esta arte pode trazer grandes benefícios ao seu praticante. Dentre algumas vertentes, direcionamos a Dança do Ventre como subsídio na perspectiva de entender e trabalhar a corporeidade, percebendo este corpo, como construção e produto social, cultural e histórico. A Dança do Ventre pode agir na capacidade emocional, criativa e crítica da mulher, estimula conceitos atualizados às suas necessidades, reafirmando um comportamento no processo criativo, demudando gestos ressignificando a corporeidade. Neste processo, aqui apresentado, valorizamos, a conectividade do corpo em articulação com tempo e memórias em diálogos gestuais onde ventre e mulher se misturam, criando arranjos que se apropriam do essencial feminino, podendo compartilhar com o corpo que dança. O que seria outrora sagrado, ritualístico, hoje, pode se tornar coadjuvante em todos os aspectos que envolvem a ressignificação da mulher atual.



A dança do ventre na conectividade do essencial feminino


Mas, se eu danço, eu solto as amarras, querendo ou não, pois a dependência psicológica não permanece por muito tempo em alguém que está se tornando bem resolvida internamente (KAHA, p. 195),



É estimado que a Dança do Ventre seja de origem oriental, no entanto, não existe alguma comprovação para esta e outras especulações. Seu surgimento exato em termos de localização histórica e geográfica nos é desconhecido, mas sabemos que de várias formas, foi disseminada, numa travessia pelas mais variadas culturas.

Na Antiguidade, para alguns povos, os deuses eram a representação de forças da natureza. Acreditava-se que existia um deus supremo criador de todos os deuses e da humanidade, gerador da vida. Essas pessoas observando a capacidade da mulher em gerar e dar a luz a uma nova vida entenderam, que, todo o universo teria sido gerado pelo útero de uma grande mãe. Mulheres dançavam celebrando a vida, consagrando rituais e cultos religiosos, direcionados a Deusa-Mãe como defende Kaha (2011) em seus escritos no seu livro Dança do Ventre e Arquétipo: dançando no ventre da Grande Mãe.

É necessário situar todas as informações e estabelecer relações mútuas, permitir apreender e aproveitar todas as especificidades relacionadas à feminilidade que é própria da dança, no desenvolver dos aspectos físico e emocional, para beneficiar-se de todas as propriedades fazendo com que sua prática se relacione e contribua na dinâmica do processo.

O útero feminino era considerado sagrado e acreditava-se que mulheres grávidas estavam possuídas pela essência divina sendo capazes de produzir uma nova vida. Dessa maneira, a figura da mulher era reverenciada, fazia-se alusão da figura feminina à deusa geradora da vida. Contudo, ao chegar o período patriarcal o entendimento mitológico em torno da figura feminina perdeu o efeito, passando-se então, a enxergarem a mulher como um ser desprovido de qualquer dádiva, logo, a mulher não era mais venerada, de maneira que os atributos naturais femininos eram cultivados entre as mulheres e passavam de mãe para filha.

Assim, nesta corporeidade que aqui se apresenta na Dança do Ventre, se pode ver sua força impulsionar algo novo agindo na essência feminina, que é própria ao ser feminino. Porém, cremos que de um modo universal, a corporeidade da mulher se transforma e se manifesta de acordo com sua vivência e sua história.

O que seria outrora sagrado, ritualístico, hoje, pode se tornar coadjuvante em todos os aspectos que envolvem as necessidades da mulher atual. Tornando-se aliada no processo de autoconhecimento, autonomia e autoestima de quem a pratica. Portanto, o majestoso rito favorece a peculiaridades que a Dança do Ventre possui, possibilitando renovação no seu gestual num (re)encontro com sua essência na concepção de novos paradigmas como símbolo ligado à feminilidade, em diálogo críticos e reflexivos de ações no universo sociocultural.


Corporeidade e Essência Feminina


Sabe-se que sob antigas formas de expressão, e diferentes dos movimentos atualmente executados, foi praticada no Antigo Egito, Babilônia, Síria, Índia, Suméria, Pérsia e Grécia Antiga, visando através de cultos de louvor e nascimento, o preparo de mulheres para se tornarem mães (KAHA 2011, p.17).


No domínio patriarcal, a mulher já não era mais vista como um ser supremo, porém a Dança do Ventre ainda era muito respeitada e utilizada em alguns lugares do Oriente Médio, sendo comum algumas famílias contratarem mulheres especialistas na Dança do Ventre para prepararem suas filhas para o casamento e o parto. Esse preparo, para a maternidade praticado por estas famílias, fazia parte de uma atuação ritualística onde a dança atendia às expectativas, e crenças daqueles povos (KAHA, 2011).

Segundo Bencardini o conceito divino que se tinha em torno da mulher, foi deixado de lado, perdendo a veneração que era comum a elas. A figura feminina ficou caracterizada como frágil e incapaz de decidir até mesmo sobre sua vida pessoal passando a ser propriedade da família, sendo primeiramente do pai e depois do marido. A esta mulher convinha que se limitasse a cuidar dos afazeres de casa, dos filhos e do marido. Sua vida profissional não existia, sua vontade não importava para a sociedade. Como afirma a autora: “A transformação da sociedade trouxe as mulheres para dentro de casa, cuidando de crianças e dedicando-se a um único homem durante toda sua vida”. Ao mesmo tempo, a figura da bailarina foi ficando cada vez mais confusa, tendo em vista que aqueles conceitos que favoreciam o feminino estariam ultrapassados diante do avanço daquela época. Complementa a autora dizendo: “Afinal de contas, elas representavam um culto antigo, de uma sociedade baseada numa cultura arcaica e que já não interessava mais” (BENCARDINI 2009, p.33,34).

Essas mudanças em torno da mulher correspondem não somente às orientais, mas também as ocidentais, fato dado devido à migração e influências de culturas em todo o mundo. A mulher de um modo geral passou por fases onde foi reverenciada, subjugada e guerreira. Hoje, a mulher moderna não é mais vista como ser supremo nem tão pouco como incapaz e frágil. No entanto, vem desempenhando outros papéis na sociedade, destacando-se em todas as atividades que se propõe a realizar, investindo em seu lado intelectual e profissional, agregando reconhecimento e respeito da sociedade.

A história da mulher ainda que em diferentes sociedades, culturas e tempos, são semelhantes, pois é fato que dentre seus atributos, habita em seu ser a essência feminina, elemento evidenciados ou não no percurso do tempo e de suas vivências. É corpo e mente que se submete às mudanças e adaptações, reafirmando um comportamento no processo criativo, alterando gestos impregnados de experiências que vão atribuir novos significados aos sentimentos.

O corpo relaciona-se com o mundo de forma recíproca e com base nas respostas advindas do ambiente. É principal depositário de nossas experiências, não somente se amolda ao que vivemos, mas denuncia as regras e características da sociedade a qual se insere, de maneira que se torna mais sensível a cada tempo e a cada história.

Como afirma Robatto:


O corpo é o principal depositário de nossas vivências, impregnado de novas percepções, sensações, sentimentos, emoções e condicionamentos comportamentais, é, indubitavelmente, um material extremamente sensível às realidades de cada época, sendo, portanto, plástico e flexível (ROBATTO, Revista eletrônica Aboré 2013, p. 24).


A autora em seu artigo Diversidade Cultural, na revista citada, trata de um corpo perceptivo articulado a emoções e sentimentos dando significados ao gestual, flexível a mudanças e transformações de acordo com sua realidade.

Reafirmando a visão de Mary Del Priore quando, visualiza transformações que o corpo feminino vivenciou advindo de mudanças refletindo na sua identidade, “tendo por fio condutor a ideia de que a história das mulheres passa pela história de seus corpos” caracterizando-se no decorrer dos tempos de acordo com o que se vive na sociedade (DEL PRIORE 2000, c.p.).

Corroborando com as ideias da autora, corpos femininos confundem-se com produto social, cultural, e histórico, portanto, entendemos que este corpo é constituição social sendo construído ao longo da história e da vida do ser feminino. Esta construção social do corpo, consequentemente, sofre adaptações diante das vivências em que passamos, sendo estas adaptações parte integrantes da corporeidade feminina. É certo que em meio às conquistas, as perdas podem ser inevitáveis. Hoje, a corporeidade feminina mostra-se independente, porém, continua sujeita a decorrentes avanços e posicionamentos sociais, sendo objeto de adequações entre o ser feminino e as questões advindas desse processo (DEL PRIORE 2000).

Dentre alguns fatores, a corporeidade feminina vivenciou alguns equívocos. Na questão profissional, por exemplo, ao entrarem para o mercado de trabalho, acreditou-se que deveriam camuflar sua feminilidade, com o propósito de apresentarem-se capacitadas para esta nova fase. Sua feminilidade por vezes, foi substituída ou disfarçada por outras representações que segundo o entendimento de muitos, dariam mais veracidade, até mesmo em sua vida pessoal. No entanto, sabemos que a capacitação e profissionalização da mulher, não a torna masculinizada ou ainda, menos feminina. Kaha (2012), em suas pesquisas em torno dos mitos femininos e das culturas, constatou que o arquétipo da guerreira está sempre presente, de maneira que seria um grande equívoco, erradicá-lo da consciência feminina.

Para Kaha


[...] desde o século XIX, quando as mulheres começaram a abrir o seu nível de permissão para assumir suas peculiaridades junto aos homens, e contando com os movimentos femininos que ganharam força na década de 60, elas se equivocaram ao entrar para o mercado de trabalho alimentando a crença de que deveriam ser menos femininas para que fossem consideradas mais fortes, como resposta ao desdém masculino da época. (2012, p. 24)


Como consequência, ela defende que um comportamento fálico identificado com o masculino e inconscientemente defensivo a impede de acessar sua alma feminina e sentir-se íntegra, converge em um aprisionamento da feminilidade da mulher, de uma alienação à necessidade de diferenciação de gênero. É uma questão interna e não externa proveniente de valores, conceitos, e atitudes, advindas de vivências e altercações sustentadas no passado. Para Kaha: “Não é uma luta de valores externos, é uma luta de valores internos, porque o que vemos aí a fora é apenas um reflexo do que começamos a elaborar no passado” (KAHA 2012, p. 17).

A corporeidade feminina enquanto reflexo de um contexto social, pode estar envolvida numa construção aparente de si, representando ou refletindo seu desejo de identificação com as exposições que este contexto sugere. Amparada nas ideias de Priore (p. 81): “Mal se percebe que nossa sociedade valoriza não a identidade, mas a identificação”. Quando empenhada em adquirir perfeição física, por exemplo, busca apenas uma identificação com o que está sendo colocado pela sociedade.

Para a autora:


[...] em vez de apropriar-se do que, até por essência, seria da ordem do feminino, a mulher contemporânea investe na exterioridade de seu corpo, deixando-se aprisionar pelo mito imposto da juventude eterna. Prisioneira em seu próprio corpo (DEL PRIORE 2000, p. 97).


Observamos, então, que cuidar desta juventude eterna não é necessariamente estar em dia com a beleza ou o físico, ainda que estes façam parte de nossos cuidados e de nossa saúde aparentemente identificada com o biótipo de ‘mulher saudável’. Porém, ao passo que investimos em nossos sentimentos, passamos a assumir sem medo, o que realmente somos enquanto mulheres, nossos anseios e necessidades, permitindo nossa corporeidade estar em sintonia com nossa essência feminina.

De um modo geral, a mulher busca adaptação no seu meio social e consigo mesma, se torna insegura de maneira que chega a se desviar do foco em manter-se em conexão com sua alma. Diante dessa corporeidade mutável, podemos perceber um distanciamento de sua natureza enquanto ser feminino.

Para Kaha: “Ela busca sua alma numa corrida pela paz de espírito em seu próprio labirinto emocional” podendo fornecer meios para que a corporeidade sinta-se em paz com a feminilidade. O aprisionamento da alma feminina, nada mais é do que conter suas aspirações e desejos. Desejos, ímpetos e necessidades que competem à alma da mulher são questões internas e à medida que repensados e resolvidos, fluirão no exterior da mulher como sendo apenas o fruto de um crescimento espiritual, trazendo mais serenidade, segurança, amor próprio e libertação. Nesse contexto, traz a essência feminina como algo imaculado, símbolo de uma natureza ainda não contaminada, onde acreditamos ser livre de alterações advindas de qualquer preceito que seja tanto social, quanto pessoal (KAHA 2012, p. 9).

Conforme profere a autora


O que necessita ser resgatado é o feminino essencial, esse arquétipo matriz da mulher selvagem. Selvagem aqui, tem a conotação daquilo que está sob missão de sua natureza e que ainda não foi corrompido. Essa é a verdadeira essência feminina, e junto ela traz consigo aspirações, desejos, curiosidades e necessidades que pertencem à alma da mulher (KAHA 2012, p. 13).


Parafraseando Kaha “no ponto de vista feminino há uma lista imensa que poderia ser resumida em poder sentir-se em paz com a feminilidade em todos os seus aspectos”. Este texto, portanto, parte de uma experiência com a dança do ventre como pensamento, num processo socioeducativo em conectividade com a corporeidade, “expressando a fêmea, a mãe, a filha, a irmã, a humana, a divina, a profana, a sagrada” como conclui a autora dizendo que: “Não é ser tudo isso, mas é antes Ser, para que estes outros aspectos se manifestem” (2012, p. z 45).



A Mulher e o Simbolismo do Ventre na Magia Dança


Em todos os povos e tempos a dança foi e continua a ser uma forma de expressar sentimentos. Uma dança que enveredou por caminhos adversos, numa trajetória que passa por outras culturas sofre influências, agrega histórias de grupos e povos. A Dança do Ventre é símbolo arquetípico da Deusa-Mãe, ou seja, mãe e terra misturam-se às nossas emoções e projetam-se através do inconsciente apresentando-se em gestos na magia da dança. Sinônimo de terra e água, de criação e amamentação, é símbolo da fertilidade. Com o poder de criar arranjos entre tempo e memórias se apropria em forma do essencial feminino, representada pelo ventre, podendo compartilhar com o corpo que dança. Porque, é energia criativa da mulher e está relacionada ao ventre.

O simbolismo que envolve o útero é associado à vida, a receptividade e doação do feminino, bem como, a renovação emocional, interligando ventre, feminino e corporeidade. “O útero é o símbolo da fertilidade e receptividade, e representa a proteção e as boas vindas para uma nova vida, remete às “águas primordiais””, afirma Kaha. Que defende essa, “capacidade de doação e de entrega do feminino”, para a criação de novas ideias e projetos promovendo uma renovação emocional (KAHA 2012 p. 20).

Rosa Primo em “Arranjos do tempo re-des-cobertos em dança” traz o aspecto da temporalidade da dança, de uma memória que não ficou no passado, mas concreta enquanto engloba diversos tempos. O gesto vira imagem, e o corpo perde sua materialidade, contudo, essa memória em dança que tem concretude de tempos coexistentes, em tempos diversos, aparece carregada em si pela impermanência.

A autora defende no seu artigo que:


A dança não é apenas deslocamento no espaço, mas penetração num tempo sem saída. Daí a efemeridade e eternidade revelando e nos fazendo ver o fundamento oculto do tempo - expressando não só a variação, mas a do próprio pensamento (PRIMO 2013, p.96).


Parte-se do pressuposto de que a Dança do Ventre pode agir na capacidade emocional e crítica da mulher, estimulando conceitos que agregam vivências temporais articuladas a sua memória gestual. Carregam para ações cotidianas comportamentos advindos de estados emocionais e psicológicos que vão interagir com imagens e movimentos, em meio a adaptações concernentes a cultura, tempos e história. Logo, se mostra maleável diante de um contexto na construção da dança, sendo, portanto, seu corpo uma composição social (MARQUES, 2013).

O ventre é passível de projeções negativas, criando entre mulher e ventre, um distanciamento. Ações reprimidas, raiva, irritações, questões mal resolvidas, enfim, alterações podem contribuir gradualmente para o acúmulo de toxinas no nosso corpo, e ainda gerar alguns tipos de doenças. A ausência de qualquer destas características naturais ao ventre, poderá causar mudanças emocionais e corporais.

Apoiada nas ideias de Kaha tudo pode ser aprendido e mudado. Nossos pensamentos movem energias que por sua vez, transitam pelos nossos corpos, assim, emoções-energia inibidas ou congestionadas geram situações enfermicas, diz a autora. Quando a região do ventre por questões emocionais é atingida, gera um acúmulo de energia que se concentra na musculatura criando uma contração muscular, impedindo assim, o bom funcionamento dos órgãos ali localizados. Esse tipo de contração é tratado aqui, pela autora, como couraça muscular(2011 vol.III).

O estímulo para ativar uma couraça muscular é a emoção. Muitos são os movimentos da Dança do Ventre que podem ser utilizados com este propósito. Movimentos de tremidos, melhoram a circulação sanguínea, que após ativada, percorre, de forma circular, todo o organismo até o cérebro, onde se acham os neurotransmissores, responsáveis no equilíbrio do humor No entanto, os movimentos ondulatórios abdominais juntamente com os movimentos pélvicos, proporcionam uma purificação fisiológica de uma série emocional, equilibrando os hormônios e descongestionando estas energias, viabilizando seu bom funcionamento (KAHA 2011, II).

De acordo com a autora


[...] os movimentos abdominais da Dança do Ventre, também promovem uma limpeza fisiológica de um ciclo emocional que ficou preso; dissolvendo as couraças de vísceras e tecidos, restaurando a eliminação de fluídos desnecessários ao organismo, fazendo com que a energia circule para revitalizar as células (p.123,124).


O ventre através de seus movimentos sensuais de formas ondulatórias e circulares proporciona à mulher, luminosidade, segurança, intuição materna e lubricidade, energias que vão circular revitalizando as células, tornando a dança do ventre uma dança circular, preparando-a para uma viagem dentro de si mesma, voltada às suas mudanças psicológicas, seguidas pelas hormonais, numa escuta articulada à arte de dançar, de forma interativa modificando o fluxo do tempo-espaço numa aproximação da memória gestual da mulher com o simbolismo do ventre na magia dança.

Para Bencardini


Dançar também é um ato de livre expressão, onde a mulher pode aprender a se conhecer e também a lidar com suas próprias emoções, gerando consequências nas suas relações interpessoais e levando a respostas sociais, que acontecem como numa reação em cadeia (2009,p.19).


A cada movimento conquistado, a superação, a criatividade, a liberdade ao dançar, são alguns dos aspectos considerados relevantes neste processo, atuando de forma direta em seu autoconhecimento e autoconfiança, proporcionando meios para conduzir suas emoções, trazendo crescimento pessoal. A autora acredita que, “cada bailarina vai lidar com tudo isso de forma individual, tendo como base sua formação ética, moral, educacional e até religiosa” (BENCARDINI 2009, p. 93).

Lia Sampaio (2010) aponta caminhos na direção no ir e vir, das muitas possibilidades de comunicação num fazer artístico com sensibilidade perceptiva que facilita o corpo a receber informações articuladas entre saberes apresentando caminhos estéticos para o pensar, perceber e sentir o corpo possibilitando uma comunicação interpessoal. Facilita o corpo a receber informações que possibilitam uma comunicação interpessoal numa troca que também gera conteúdo e dá responsividade’ tomando emprestada cultura e arte viva, do corpo feminino onde signos são decodificados em outros signos, dizem respeito a imagens, defendem valores e são interpretados transversalmente no discurso do corpo.

Segundo Sampaio valores que fazem parte da geografia perceptiva, em movimentos circulares de comunicação com circulo de habitat numa performance única, em contraponto com gestos, memória e símbolos como elementos que vão favorecer a mulher numa cumplicidade da relação arquetípica ventre, dança e mulher em questões biológicas e emocionais, transportando formas de ser e existir no mundo material, sendo corpo, mente e espírito, o elemento de cura e de poder feminino, através dos movimentos e formas na magia da dança (SAMPAIO, 2010).

Garante Kaha que,


a dança do ventre carrega em si o poder feminino, em seu automorfismo, sob a forma de sabedoria consciencial adormecida esculpindo formas de ser e existir no mundo material através de seus movimentos, dando vida a essas formas com dança, e sendo a fonte de onde todas elas provêm, tendo o inconsciente como reservatório, a biblioteca de suas informações. (2012, p.29)


Ela define o poder feminino como forma de uma sabedoria adormecida que deve ser lapidada dando vida, a formas e gestos na construção de sua dança e que “a maneira como raciocinamos e nos movimentamos pode transformar o que sentimos”. Completa dizendo: “se eu danço, eu solto as amarras, querendo ou não” (KAHA 2011, vol.II, p. 195).



CONCLUSÃO


Concluo que, a Dança do Ventre torna-se um importante canal de articulação, podendo contribuir de maneira ampla abrangendo vários aspectos relacionados a mulher atual, possibilitando a ação da mulher a um (re)encontro com seu corpo e sua essência. Como um forte símbolo ligado à feminilidade, pode agir na corporeidade da mulher. O que seria outrora sagrado, ritualístico, hoje, pode se tornar coadjuvante na harmonia corpórea feminina abrangendo aspectos físicos e emocionais, trazendo à tona a unidade corpo e intelecto em conectividade entre mulher, divindade e fertilidade, sendo evidenciados em uma dança livre e criativa.




REFERÊNCIAS


ABORÈ- Revista Eletrônica;Publicação da Escola Superior de Artes e Turismo, Edição Atual, 2013, http://www.revistas.uea.edu.br/old/abore -ISSN 1980-6930.

BENCARDINI,P. Dança do ventre: ciência e arte. São Paulo: Editora Baraúna, 2009.

DEL PRIORE, M. Corpo a corpo com a mulher: pequena história das transformações do corpo feminino no Brasil. 2.ed. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2000.

KAHA, L. História da Dança do Ventre: o ventre e o corpo no espaço. 2.ed. São Paulo: Editora Clube dos Autores, 2011.vol.1.

_____, L. Dança do Ventre e saúde: a cura do templo feminino. 2.ed. São Paulo: Editora Clube dos Autores, 2011.vol. 2.

_____, L. Dança do Ventre e Arquétipo: dançando no ventre da Grande Mãe. 2.ed. São Paulo: Ed. Clube dos Autores, 2011.vol. 3.

_____, L. Resgatando o feminino: mistérios e segredos do feminino em perguntas e respostas. 1.ed. São Paulo: Editora Clube dos Autores, 2012.

LE BRETON,D. A Sociologia do Corpo. 6.ed. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 2012.

MARQUES, Isabel A. Linguagem da Dança; arte e ensino. 1.ed. São Paulo: Editora Digitexto, 2010.

SAMPAIO, Lia.A dança na escuta do corpo do ribeirinho: o Proformar valorizando os profissionais da educação na Amazônia, Dissertação de Mestrado ,UFba,BA, 2010. (disponível na internet).

.__________ A dança na escuta do corpo do ribeirinho: o Proformar valorizando os profissionais da educação na Amazônia, Somanlu, ano 11, n. 2, jul./dez. 2011, UFAM,AM.

SILVA, M. L. T. Nesse corpo tem gente! Um olhar para humanizar o nosso corpo. São Paulo: Editora Casa do Psicólogo, 2004.


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